Imagine que você foi convidado para a festa de 20º aniversário de alguém e, ao chegar ao local, percebe que a pista de dança está vazia, os convidados estão em silêncio e o aniversariante passa o tempo todo falando ao microfone o quanto ele é legal, apresentando seus primos, todos mongolóides, daqueles que lambuzam a testa na hora de tomar sorvete, e fazendo-os cantar da maneira mais desafinada do mundo. Imaginou?
Pois esta sensação é infinitamente melhor do que aquela que praticamente derreteu as retinas de quem teve a coragem de assistir ao VMB 2010, mais uma ocasião em que a MTV nos brinda com um retrato inequívoco de que grande parte do meio musical – e, por conseguinte, de toda uma geração – está indo definitivamente para o buraco.
Quando o pessoal do Yahoo! Brasil pediu gentilmente para que eu escrevesse um artigo com minhas impressões a respeito de tal premiação, juro que tentei encarar a empreitada com uma expectativa otimista, mesmo sabendo que a lista dos indicados ao prêmio era mais fraca que sopa de albergue noturno. Ingenuamente, cheguei a acreditar que a MTV iria conseguir barrar este absurdo processo de votação popular, controlando os tais “votos” para que uma mesma pessoa não ficasse com a ponta dos dedos em carne viva de tanto votar em seu ídolo pelo telefone, pela internet ou pelo diabo a quatro. Muita ingenuidade da minha parte, né?
Eu já percebi que a coisa seria uma tragédia logo no tal “Aquecimento VMB”, quando um casal de atores de um programa da própria emissora, Quinta Categoria, tentava ser engraçado enquanto fazia merchan explícito de desodorante, refrigerante, carro e outros produtos, em cenas pra lá de constrangedoras. Nas entrevistas antes do evento, artistas se portavam como se estivessem anestesiados – menos no caso de Otto, que parecia estar dopado com alguma substância emburrecedora. Mas eu não estava preparado para o que estava por vir…
Logo no início do programa, uma ótima ideia – uma interação entre o bom apresentador Marcelo Adnet e alguns artistas (Marcelo D2, Sandy, o guitarrista do Cachorro Grande e o jurado Miranda, do Qual é o Seu Talento?) – foi jogada fora por absoluta falta de criatividade. Daí para frente, o circo de horrores tomou proporções babilônicas. Acompanhem a sequência de eventos:
- Muito mais vergonhoso que o NX Zero ganhar o prêmio de “Melhor Show” foi o seu vocalista, Di, dar o telefone de contato para quem quisesse agendar uma apresentação de sua banda ridícula. Um absurdo total!
- Apesar de uma boa imitação do Faustão feita pelo Adnet, isto foi insuficiente para disfarçar o quanto as vinhetas para a categoria “Aposta MTV” foram primárias. O ganhador – um tal de Thiago Pethit – parecia ter caído da cama de tão sonolento e desanimado com o prêmio;
- A apresentação ao vivo do Restart foi aquela fraqueza e desafinações de sempre, mas pelo menos deu para sacar que o batera Thomas é bom, o único que tem chance de se dar bem como músico quando a banda encerrar as atividades – algo que todos nós esperamos que aconteça o mais rápido possível;
- O anúncio de Justin Bieber como ganhador da categoria “Melhor Artista Internacional “ foi um dos troços mais desanimados da história da TV brasileira, uma cena ainda piorada pela participação ridícula daquela menina pentelha que ficou conhecida como “mini Lady Gaga”;
- Depois de a dupla 3OH!3 pagar mico antes de anunciar apresentação do Fresno, o grupo gaúcho fez um pastiche canhestro de 30 Seconds to Mars, tentando botar uns timbres mais agressivos em seus instrumentos só para mostrar que estão mais pesados, embora ainda sensíveis. Coisa ridícula!
- O fato de o Roberto Justus ter apresentando a categoria “Revelação” já dava bem a medida do que viria a acontecer. Dentro de uma relação de grupos horríveis e da alienígena presença de Karina Buhr, a vitória do Restart seria o início de uma das mais inacreditáveis estratégias de votação popular – quero acreditar que sem a cumplicidade da MTV – já presenciadas na TV mundial;
- Em uma das vinhetas de intervalo, Sandy cantou ao lado de Mallu Magalhães, que continua tão lesada que sequer é capaz de conseguir afinar o seu violão. Constrangedor foi pouco;
- Os artistas focalizados na plateia demonstravam uma total indiferença não apenas em relação ao que acontecia no palco, mas no evento em geral. Vi gente que, se pudesse, estaria jogando “batalha naval”. Não é mesmo, Samuel Rosa? Não é mesmo, Cazé?
- Quando o Restart começou a ganhar mais prêmios, vaias começaram a ser ouvidas dentro do recinto, algo que passou a desesperar a direção do programa, que precisou abaixar o volume do áudio da plateia e mudar rapidamente para outra atração;
- Foi triste ver um cara talentoso como o Adnet sendo obrigado a ler um texto ridículo a respeito de “TV on demand”;
- Na categoria “Web Hit”, o pessoal vencedor – com uma patética paródia do Justin Bieber – mostrou como não receber um prêmio, tamanha a falta de noção demonstrada na ocasião;
- O Restart ganhar como “Melhor Pop” e um embusteiro como Diogo Nogueira ser o vencedor na categoria “Melhor MPB” foi um daqueles sinais de que o Apocalipse deve acontecer entre quinta e sexta-feira da semana que vem;
- O Capital Inicial – não por acaso, a única banda do chamado “rock brasileiro dos anos 80” que conseguiu reciclar o seu público para sobreviver aos dias atuais – até que tentou fazer uma apresentação digna, mesmo botando mais um guitarrista e um violonista para dar aquele “peso Mandrake”, mas uma grade descendo fora de hora e separando Dinho Ouro Preto de seus companheiros deu a impressão que estávamos diante de um cirquinho de oitava categoria;
- A tal “Jam com Nova Geração” fez com que eu temesse pelo futuro da música no Brasil. Sério;
- A apresentação de Otto foi um desastre. Embora a boa banda – com Fernando Catatau (Cidadão Instigado) e Pupilo (Nação Zumbi) – tenha se esforçado em emprestar alguma dignidade sonora, as desafinações do vocalista e sua presença de palco que mais parecia a de um chimpanzé triatleta estragaram tudo. O mais triste foi constatar o famoso “corporativismo entre artistas” ao ver Arnaldo Antunes declarar, após o evento, que “Otto arrasou”. Só se ele usou o verbo no sentido de destruição;
- Quando o Restart ganhou na categoria “Hit do Ano”, tomou uma vaia tal que os próprios apresentadores pediram para que a banda fosse aplaudida. Quando também venceu como “Artista do Ano” – prêmio apresentado pelo “craque Neymar-filme-tostado”, o constrangimento com mais uma onda de vaias foi tamanho que a própria banda agradeceu a quem os vaiou, tentando mostrar um falso “fairplay”;
- A apresentação do OK Go! – com guitarra em playback – foi de uma indigência intolerável para uma atração internacional. Deveriam ter sido presos e deportados;
- No final constrangedor, outra ótima ideia – a tal “Gaiola das Cabeçudas” – foi desperdiçada pela absoluta falta de animação da plateia. Nem mesmo as presenças de Valesca Popozuda e seu alter-ego – sua própria bunda – conseguiram tirar a platéia e o telespectador de um profundo torpor.
No final, ficaram algumas constatações:
1) A faixa etária do público que leva a MTV a sério agora é outro – e ainda menor: vai dos oito aos 12 anos. Acima disto, é gente com sérios problemas mentais;
2) A tal Marimoon e esse pessoal do Quinta Categoria são os personagens mais grotescos da TV desde os tempos do filme Corcunda de Notre-Dame na “Sessão de Gala” de sexta à noite;
3) Brasileiro é incompetente até para administrar uma franquia, já que a MTV Brasil conseguiu piorar ainda mais o que já vinha pronto lá de fora;
4) Este VMB 2010 deveria ser lançado em DVD como material de auto-ajuda, pois é impossível alguém não se sentir uma pessoa melhor depois de assistir a esta avalanche de atrocidades artísticas;
5) Se os fãs destas tais bandas coloridas de “happy rock” é que irão governar este País no futuro, avisem aos seus filhos e netos que a Humanidade deve se preparar para voltar a viver em árvores;
6) Perto de qualquer VMB, o horário político parece um desfile de cientistas e professores de Harvard.